137 anos de uma das leis mais importantes de nosso país, que foi articulada, sobretudo, por um advogado.

No último dia 13 de maio, comemorou-se 137 anos da lei que declarou extinta a escravidão no Brasil. Decretada e sancionada pela Princesa Imperial Regente, em nome do Imperador D. Pedro II, pôs fim definitivo à instituição que, certamente, é uma das maiores chagas da história nacional. Não é fato a ser ignorado que em 1887, um ano antes da referida lei áurea, segundo estimativas, restavam ainda 723.419 escravos.

A escravidão no Brasil é um tema complexo, cheio de nuânces e peculiaridades específicas, entretanto, é inegável que a objetificação de almas humanas não é tolerável em qualquer sociedade que busca se entender como razoável. Razoabilidade, no Brasil, não é a regra, mas também é notório que nas adversidades das circunstâncias providas em terras tupiniquins, grandes homens e mulheres sempre surgem como uma espécie de alento àqueles que buscam um olhar esperançoso no país.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu no Recife em 1849, filho de José Thomaz Nabuco de Araújo, esse que foi um jurista que logrou importante reputação no Segundo Reinado, frequentemente prestava consultoria jurídica ao Estado brasileiro, além de ter sido Juiz de Direito, deputado, presidente da província de São Paulo, ministro da justiça e senador. A importância de Nabuco de Araújo, o pai, pode ser atestada pela delegação à ele do projeto do primeiro Código Civil brasileiro, projeto esse que não foi concluído e encerrou-se com a morte dele em 1878, sendo efetivado apenas pelo jurista Clóvis Beviláqua, anos depois, e promulgado em 1916.

Joaquim Nabuco, o filho, viveu seus primeiros anos longe dos pais, no Engenho do Massangana, na cidade de Cabo de Santo Agostinho, estado de Pernambuco. Lá, o futuro abolicionista referencia como o lugar de formação da base de seus futuros consagrados ideais. Estudou no Pedro II, o principal colégio da elite brasileira, onde foi colega de Rodrigues Alves, futuro Presidente da República. Após concluir os estudos iniciais, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, mas concluiu o curso no Recife, prática comum entre os aspirantes à políticos no império brasileiro.

Em 28 de novembro de 1870 concluiu a sua graduação e formou-se bacharel em ciências sociais e jurídicas. Nesse período, deu um prelúdio da sua jornada como abolicionista, onde uma das suas primeiras defesas como advogado chama a atenção. Após ter sido açoitado em praça pública, Tomás, um escravo, assassinou o seu próprio senhor, e depois de capturado cometeu novo assassinato ao matar um guarda para fugir da prisão. Nabuco se ofereceu para advogar em sua defesa, e nela o jovem advogado alegou que os dois crimes foram motivados por dois outros crimes: a escravidão e a pena de morte. Em decorrência dessa defesa, o advogado conseguiu evitar a pena de morte ao seu protegido, tendo sido ele condenado à prisão perpétua.

Após a morte do pai, em 1878, Joaquim Nabuco foi o escolhido da família para ser o seu sucessor político, e em 1879 tomou assento na Câmara. Adepto a uma agenda de modernização econômica e reforma política, desde o início decidiu se concentrar na “questão servil”. Abraçou a bandeira da abolição, chamou a atenção, mas não foi como político a sua principal contribuição ao movimento. Longe do Parlamento, resolveu se centrar no debate das ideias, e sintetizou em um livro o que aprendeu, refletiu e concluiu durante os seus anos de formação. Em 1883, lançou “O abolicionismo”, que, segundo o próprio autor, no prefácio de sua obra, buscava apressar o dia da “independência completada pela abolição, e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822 à de nação soberana, perante a América e o mundo”. Nesta clássica obra do movimento abolicionista brasileiro, Nabuco classifica a escravidão como “uma verdadeira mancha de Caim, que o Brasil traz na fonte”, e, segundo o mesmo, “moralmente é a destruição de todos os princípios e fundamentos da moralidade religiosa ou positiva – a família, a propriedade, a solidariedade social, a aspiração humanitária”.

Ele virou o centro, o rosto do movimento, encarnou a causa, até mesmo o Papa o recebeu em audiência particular para falar da escravidão. A multidão amava Nabuco, e no dia 13 de maio de 1888 veio a consagração, a Câmara aprovou a ideia engavetada há anos e o Senado quebrou protocolos para efetivar a conquista, o Brasil parou. O advogado que advogou sobretudo em prol do seu país, mesmo que para isso fosse necessário, como nas palavras de Stuart Mill, “mostrar ao seus compatriotas o seu defeito”, Joaquim Nabuco não se encerrou com a abolição, tornou-se o Embaixador do Brasil, função essa, que apesar de consagrada no final de sua vida, quando foi o primeiro embaixador do país nos Estados Unidos, já era exercida muito antes, nos tempos que lutava pela extinção do regime escravista: “a reputação que temos em toda a América do Sul, de país de escravos, isto é, de sermos uma nação endurecida, áspera, insensível ao lado humano das coisas; é, mais ainda, essa reputação – injusta, porque o povo brasileiro não pratica a escravidão e é vítima dela – transmitida ao mundo inteiro e infiltrada no espírito da humanidade civilizada”. Advogado de nossas causas mais sensíveis, Joaquim Nabuco é um alento àqueles que tentam enxergar um Brasil melhor.

 

Referências:

 

BRASIL. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 14 maio 1888. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm. Acesso em: 20 de maio de 2025.

 

ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 400 p. ISBN 978-85-359-1131-2.

 

BRASIL. Ministério da Cultura. Engenho Massangana. Disponível em: https://visite.museus.gov.br/instituicoes/engenho-massangana/. Acesso em: 22 de junho de 2025.

 

GUIA DO ESTUDANTE. Quem foi Joaquim Nabuco, abolicionista que defendia a monarquia? Guia do Estudante. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/quem-foi-joaquim-nabuco-abolicionista-que-defendia-a-monarquia. Acesso em: 22 de junho de 2025.

 

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Porto Alegre: L & PM, 2022. ISBN 978-65-5666-239-8.

 

Imagem/Fotografia: Marc Ferrez

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